Será que a escolha de um material “não estético”, como a coroa de aço interfere na aceitação da criança diante do tratamento proposto? Alguns pontos interferem na escolha do profissional em relação à sua conduta clínica diante do caso, tais como:
A decisão na escolha do melhor material restaurador muitas vezes se torna difícil para nós odontopediatras, pois além de depender das condições bucais do paciente, precisamos também levar em consideração pontos importantes na hora de definir o melhor tratamento, como:
1. Quantidade de remanescente dental
Avaliar a quantidade de estrutura dental disponível para adesão ao material restaurador é fundamental diante da escolha da técnica reabilitadora ideal. Afinal de contas não podemos esquecer que materiais como resina composta e ionômero de vidro dependem e muito da adesão à uma estrutura hígida, íntegra e não cariada para uma ótima adesão;
2. O comportamento/colaboração do paciente
Em pacientes com comportamento difícil muitas vezes é preciso optar por materiais com protocolos menos exigentes e mais rápidos, como por exemplo ionômero de vidro fotopolimerizável ao invés do convencional, e coroa de aço com a técnica de Hall;
3. A longevidade do tratamento proposto
Em casos onde estamos na dúvida em escolher resina ou ionômero como material restaurador, sabemos que se tivermos esmalte sadio nas margens da restauração com 3 paredes circundantes para adesão do material e diante da viabilidade em utilizar o isolamento absoluto, a resina seria a opção de tratamento mais indicada por apresentar maior longevidade em relação ao ionômero de vidro, podendo permanecer em boca até a esfoliação natural do dente (não que não possamos usar o ionômero de vidro, mas os pais/responsáveis precisam estar cientes de que com esta opção existe uma chance de troca da restauração com o passar do tempo);
4. A opinião e preferência por estética dos pais
A opinião dos pais é importante ao decidir por exemplo entre coroa de aço e coroa de zircônia para reabilitação em dentes posteriores (quando a opção é coroa e os outros materiais não terão sucesso devido à grande destruição coronária do dente em questão).
Você também compartilha comigo estes momentos de indecisão?
Sempre busco convencer os pais do que é melhor pro seu filho considerando as evidências científicas e minha experiência clínica, pois nossa habilidade com certeza também é responsável pelo sucesso do tratamento restaurador.
Afinal de contas, quanto mais casos e habilidade temos em um tipo de material, melhores somos no momento do tratamento. Por exemplo, para restaurar dentes posteriores, tenho em mãos as opções de ionômero de vidro, resina composta, coroa de aço e coroa de zircônia. Na escolha de cada um, sigo os seguintes pontos na sequência de prioridade:
- Quanto de estrutura dental eu tenho para adesão do material;
- Comportamento do paciente;
- Longevidade que quero com a restauração;
- Opinião dos pais (sim por último, mas claro que de comum acordo comigo).
Seguindo esses pontos eu decido pelo material e somente depois discuto com os pais as alternativas propostas (afinal de contas, não adianta eles escolherem o mais “bonito” mas não ser o melhor benefício ao paciente).
Toda vez que eu leio algo sobre a opinião de pais e crianças sobre a escolha o tipo do material fico atenta na tentativa de entender o comportamento do meu paciente e propor a ele algo que realmente vá ao encontro de suas expectativas.
Em junho/2020 recebi um artigo de 2006, intitulado “A escolha das crianças quanto aos materiais restauradores posteriores” e gostaria de compartilhar com vocês.
O artigo foi publicado em 2006 na J Clin Pediatr Dent (referência: J Clin Pediatr Dent 31(1):1-4, 2006) com o objetivo de avaliar a preferência das crianças quanto ao tipo de material restaurador.
As crianças apontavam em imagens o que eles “gostavam mais” e o que “gostavam menos” entre imagens expostas de restaurações com amálgama, resina composta, compômero colorido e coroa de aço (o que me chamou bastante atenção e interesse porque eu particularmente não uso material “colorido”). E por fim foram questionados qual material queriam caso tivessem que ter uma restauração em boca.
Foram entrevistadas 100 crianças entre 5 e 12 anos e verificado se a idade, gênero e etnia também influenciavam nas escolhas.
Sabe qual foi a conclusão do estudo?
Os autores chegaram a 3 resultados principais:
- As crianças preferem mais resina composta e menos a amálgama (independente da idade e do sexo);
- Crianças europeias escolheram resina composta enquanto crianças afro-americanas preferiram coroa de aço;
- O interesse precoce por compômeros coloridos foi observado em crianças mais novas, do sexo masculino e/ou europeias.
Neste estudo específico, mesmo não tendo crianças brasileiras, o resultado da preferência de coroa de aço vai de encontro ao que vejo na minha rotina clínica.
As crianças não “desgostam” da coroa de aço quando induzo o lúdico no contexto, por exemplo: “dente do homem de ferro, dente com coroa de princesa”, e isso me ajuda muito a convencer os pais quando eu realmente acredito que a coroa de aço é necessária (e única opção naquele caso específico) para o sucesso do tratamento. Acreditem, sempre consigo convencer!!
Espero que tenha gostado da leitura!
Beijos.
Por Carla S. Pereira
Referência: Fishman et al. Children”s selection of posterior restorative materials. J Clin Pediatr Dent 31(1):1-4, 2006