Uma criança passa (ou deveria passar) quase metade do seu dia dormindo. Sendo assim, qualquer fator/doença que atrapalhe esse sono pode causar grande impacto no seu desenvolvimento. As desordens respiratórias do sono merecem grande destaque quando se fala em redução da qualidade do sono em crianças. A apneia obstrutiva do sono na infância é a mais grave entre as desordens do sono, podendo ser causa de grande morbidade no paciente pediátrico. Então vamos descobrir quais as características fundamentais para o diagnóstico da apneia obstrutiva do sono na infância?
Definição da Apneia Obstrutiva do Sono
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é caracterizada por repetidos episódio de obstrução das vias aéreas superiores, com duração de mais de 10 segundos, durante o sono. Na criança, que tem uma taxa respiratória maior, diversos laboratórios do sono consideram apneia quando a respiração fica obstruída por 6 segundos. Nesses episódios a criança literalmente para de respirar.
Prevalência da Apneia Obstrutiva do sono (SAOS)
A apneia obstrutiva do sono na infância tem uma prevalência aproximada de 2,5 à 6%. Parece pouco? Vamos pensar assim, de cada 100 crianças que você atende, de 4 a 5 delas param de respirar durante o sono. Ou seja, dessas 100, de 4 a 5 podem apresentar déficit no crescimento ponderal, dificuldade de aprendizagem, agressividade, problemas em socializar, aumento do esforço cardíaco… Não podemos aceitar que nenhuma criança – quem dirá 5! – com todos esses riscos passe pela nossa cadeira e saia sem que os sinais sejam identificados para que ela tenha a chance de um diagnóstico correto e um tratamento adequado!
Mesmo em países desenvolvidos, é comum a demora para diagnóstico da apneia obstrutiva do sono na infância. Desde o início dos sintomas até o diagnóstico pode haver um espaço de três anos! Nesse período a criança fica exposta a complicações cardiovasculares, prejuízo do desenvolvimento cognitivo, entre outros fatores já citados.
Características da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)
E quais são as características que devemos observar nos nossos pacientes para saber se há maior ou menor risco de apresentar SAOS?
- Hipertrofia das tonsilas faríngeas (adenoides) e palatinas (amígdalas): a observação clínica das tonsilas palatinas e radiográfica (teleradiografia em norma lateral) das tonsilas faríngeas podem ser um sinal importante da necessidade de maior investigação desse paciente;
- Alterações da morfologia craniofacial: atresia maxilar, retrognatismo maxilar, retrognatismo mandibular, face longa;
- Tonicidade muscular reduzida: muito frequente em crianças com Síndrome de Down, por exemplo;
- Inflamação recorrente das vias aéreas;
- Obesidade: a associação de SAOS e obesidade em adultos é muito forte, porém em crianças, não tanto. Muitas das crianças com SAOS não são obesas;
- Síndromes: Pierre Robin, Treacher- Collins, Cruzon, Apert, Russel –Silver;
- Ronco: presente na imensa maioria dos pacientes com SAOS, é um fator de alerta bastante relevante (clique aqui para ler mais sobre ronco na infância);
- Respiração oral (nem todo respirador oral tem SAOS mas praticamente todo paciente com SAOS tem respiração oral. Ou seja, o respirador oral sempre merece atenção redobrada;
- Bruxismo noturno;
- Asma severa ou descontrolada;
- Enurese noturna.
Além disso, alguns sintomas podem ser observados ao despertar da criança – como dor de garganta, boca seca, sonolência, dor de cabeça – e no transcorrer do dia, como déficit de atenção, hiperatividade, dificuldades de aprendizagem e distúrbios comportamentais (agressividade). Estes últimos sintomas, em associação, são com frequência, confundidos e erroneamente tratados como Síndrome de Déficit de Atenção.
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Diagnóstico da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)
Além da observação desses sinais e da coleta de dados na anamnese, existe um diagnóstico específico que visa triar as crianças com alto risco de apresentar SAOS: o PSQ – Pediatric Sleep Questionary.
PSQ possui 22 perguntas e envolve questões que vão desde o comportamento durante o sono (como ronco, dificuldade respiratória, enurese noturna), a fatores comportamentais (distração, dificuldade de concentração, dificuldade de acordar) e físicos (atraso no crescimento). Mais do que 33% das questões respondidas com “sim” colocam a criança em uma posição de alto risco para apneia obstrutiva do sono na infância e se faz necessário seu encaminhamento ao médico especialista em medicina do sono para que o diagnóstico seja “fechado”. O PSQ é bastante sensível (0.85) e específico (0.87), ou seja, apresenta baixos índices de falso positivo ou falso negativo mas, o exame que representa o “padrão ouro” para este diagnóstico é, assim como em adultos, a polissonografia.
O cirurgião dentista, em especial odontopediatra, se encontra em uma posição ímpar para realizar a identificação precoce dos sinais e sintomas da SAOS na criança. Olhe além da cavidade oral do seu paciente e não perca a oportunidade de promover ainda mais saúde e qualidade de vida!
Por Maíra M. Rosa.
Referências: Karl H. Karlson, Jr. What’s New in Pediatric Obstructive Sleep Apnea? Clinical Pulmonary Medicine. Vol 15, N. 4, Jul 2008
Padmanabhan, Vivek; PR, Kavitha; Hegde, Amitha M. Sleep Disordered Breathing in Children – A Review and the Role of a Pediatric Dentist. The Journal of Clinical Pediatric Dentistry Vol.35, N. 1/2010
Ashok K. Rohra, Jr, Catherine A. Demko, Mark G. Hans, Carol Rosen, Juan Martin Palomo. Sleep disordered breathing in children seeking orthodontic care. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics Jul 2018, Vol 154.